Viver é, no mínimo, engraçado. De criança vivenciamos e ouvimos coisas que hoje, se seguidas à risca, seriam, no minimo 'politicamente' incorretas.
Não sou muito de memórias por demais passadas, pouco me lembro da minha infância senão flashes, mas algumas coisas, virou-mexeu, vêm à minha tela mental e quase me fazem ter o mesmo sentimento vivido naquele dia lá atrás.
Um fato em especial eu nunca esqueci porque sou libriana, e injustiças não me agradam nem um pouquinho: brincando na área livre atrás da casa de meus avós, onde roupas branquíssimas pegavam sol penduradas na corda, meu primo e eu corríamos entre as roupas segurando um daqueles lápis que, se você molhasse na língua, soltava uma tinta azul bem forte, que era legal para desenhar ou mesmo escrever. Não sei que diabos nos levou a correr entre aquelas camisas brancas com as mãos no alto da cabeça, segurando os ditos lápis. Só sei que numa dessas o lápis da mão do meu primo esbarrou numa daquelas camisas, o que me fêz entrar em pânico e me congelar no mesmo instante. Ele me acusou, me atribuindo a culpa pelo incidente. De dentro de casa veio minha tia, que aceitou a versão dele e ficou muito chateada com o acontecido, ainda mais que a camisa era do namorado dela. Resumindo : eu, congelada por muito tempo, não consegui me defender daquela injustiça cometida contra mim e fiquei arrasada, me sentindo aquela mosquinha que pousa no cocô do cavalo. Papai e mamãe estavam viajando pra fora, e esse fato colaborou demais para a minha total insegurança e carência naquele momento. Penso ter superado logo aquele trauma, mas quem pode me garantir?
E o que dizer do "criança não tem querer"!? Chego a ouvir a voz da minha mãe proferindo tal violência aos meus ouvidos e direitos, ainda que criança. Onde podemos ouvir tal declaração nos dias de hoje, quando respeitamos os filhos desde que chegam ao mundo, ouvindo, acatando e, por que não dizer, mutas vezes aprendendo com eles?
Um simples olhar da minha mãe e eu já entendia que tinha que sair da sala porque o assunto era para adultos; que eu deveria me levantar daquele lugar imediatamente para que ele fosse cedido para outro, enfim. Uma educação basicamente repressora e autoritária, sem lugar nos dias de hoje. Não vou entrar no mérito da justa medida que a educação deve receber, mas ora, vamos combinar, esse tipo de exigência é absurdamente radical e ultrapassado na vida moderna.
Uma outra frase repetida a mais não poder às crianças, era "coma tudo, quero ver esse prato limpinho"!.... e lá íamos nós, muitas vêzes sem vontade alguma de engolir o que ainda restava lá, isso sem contar as vêzes que éramos obrigados a comer coisas que não agradavam ao nosso paladar! Tem gente que ficou tão traumatizada por passar situações desse tipo, que nunca mais conseguiu comer isso e aquilo. Não me lembro dessa vivência, graças aos céus, pelo menos isso!, e muito ao contrário, hoje como de tudo, incluindo o que não gostava naqueles tempos.
Enfim, o tempo passa, as coisas mudam, as pessoas idem. Hoje, é até educado não 'raspar' o prato. É de bom tom comer pouco, se servir com comedimento, de preferência abandonar a mesa antes de se sentir saciado. Mas quando estou diante de uma comida que me faz até sentir água na boca, daquelas que fazem parte da minha lista de preferências...
tudo que eu quero é me lembrar da minha mãe me mandando raspar o prato pra eu ficar forte!
E aí não tem dieta nem culpa que me segure; eu meto o pé direto nessa jaca, e me sinto feliz por poder exercer meus direitos a hora que me der vontade! Pensando bem, nem tudo foi tão
absurdo assim...
Nenhum comentário:
Postar um comentário