Sempre andei pouco de ônibus porque desde criança tive a facilidade dos carros de papai e mamãe e o apoio do ônibus escolar, naquela época chamado de "especial". Época do que hoje seria o ensino médio, naqueles dias eu até usava ônibus para ir ao colégio, mas por muitas vêzes ainda ia sendo levada de carona até mesmo por meus irmãos. Usei um pouquinho mais esse meio de transporte quando na adolescência, mesmo assim intercalando caronas frequentes de papai, que me deixava na escola a caminho do trabalho. O fato é que nunca fui muito íntima daqueles bichos enormes e barulhentos e por causa disso nunca os olhei com muita simpatia. Depois do meu primeiro carro e de todos que vieram a seguir, então, andar de ônibus era alternativa nunca pensada, vista com bastante intolerância e sempre substituída por alguma idéia bem melhor, ainda que fosse desistir de ir!
Isso até que, já velha de guerra e muito mal acostumada ao conforto das minhas 4 rodas, me vi sem carro, vendido para suavizar uma crise financeira. Agora era isso ou isso. Táxi só em situações muito especias e eu evitava que elas acontecessem. Era chegada a minha hora de cair na vida, dar um tchauzinho pra minha patricinha motorizada e fazer aquilo que milhões de pessoas fazem diariamente e com a maior naturalidade e nenhuma possibilidade de escolha. Parti pra luta.
Confesso que nos primeiros dias tive sentimentos de revolta, raiva e muita saudade do meu Honda Fit, todo arrumadinho pra mim, e que eu só pude desfrutar durante 1 ano. Bem, lá vamos nós! Como de um limão a gente tem sempre que ao menos tentar uma limonada, com o passar dos dias fui encarando a experiência com outro humor e, com a prática que a vivência ia me trazendo, por que não dizer, outros olhos! De início perdida com os itinerários e totalmente sem o hábito daquilo, me sentia quase como uma estrangeira na minha própria cidade, com receio de me perder, passar do ponto ou pegar o rumo errado.
Então comecei a enxergar a parte boa de tudo aquilo e me surpreendi com a qualidade dos veículos, que agora tinham até ar condicionado, e a cordialidade dos motoristas, agora tão educados. E a entrada hoje em dia era pela porta dianteira!! Sempre preferia sentar nos primeiros e mais altos bancos da frente, onde ia acompanhando todo o trajeto com atenção e surpresa, descobrindo uma rua aqui, um edifício novo ali, uma loja inaugurada há nem tão pouco tempo assim, mas que do conforto do meu carrinho eu simplesmente não percebia! E fui curtindo os tipos, a variedade de pessoas, comportamentos e prestando atenção nas conversas que dezenas de vêzes tive vontade de interromper para um palpite. E aquilo tudo foi se tornando fácil e até indolor pra mim. Uma nova realidade, imposta pelos percalços da vida, mas que, como toda experiência, estava me trazendo ensinamentos, outro viés no olhar e até mesmo uma certa satisfação comigo mesma.
E foram 3 anos e meio sem carro, muitos ônibus, muitos trajetos, muita observação.
Um dia a vida me tirou um bem que não tinha preço, insubstituível e que me doeu infinitamente mais do que a perda do meu carrinho. E essa perda, ironicamente, me permitiu condições para comprar um novo carro. Era inclusive uma dívida que eu internamente sentia ter, mas isso já é outro assunto.
O fato é que hoje, há 1 ano e sete mêses novamente sobre 4 rodas, meu bichinho sai muito pouco da garagem. Minha vida é organizada quase toda a pé e eu aprendi a usar o transporte das massas e a entender o quanto ele é muito mais prático na maioria das vêzes. Posso tranquilamente dizer que curto muito as viagens do alto daqueles bancos, a facilidade que isso me traz e como me sinto desamarrada de tantos conceitos anteriores.
Claro que a liberdade e a independência que o carro traz tem o seu lugar e em certos momentos, não dá para ficar sem. Mas hoje não tenho mais limites. Eu simplesmente vou.
Ao contrário da Angélica, vou de ônibus.
Feliz da vida!!!
Oi querida. Acabo de ler sua crônica. Amei, me emocionei, e ainda com os olhos marejados, nesse momento só tenho condições de lhe dizer: lindo demais. Receba um grande beijo desse seu primo chorão. Mauro.
ResponderExcluirÉ isso aí, Carlota, todos nós temos que ser "metaformoses ambulantes", deixar de ter "aquela velha opinião formada sobre tudo...".
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