sábado, 23 de abril de 2011

Quem me dera...

                     Eu ia chegando com minha bicicleta, depois da pedalada do dia, e ele descendo de um táxi bem em frente ao portão de entrada do prédio. Tive que me esgueirar um pouco para passar com a magrela sem arranhar o carro. Empurrei o portão, posicionei a bike pra dentro, tirei um dos fones do ouvido e perguntei:
_Vai entrar? Ele fez que sim com a cabeça.
                         Fiquei observando as flores que ele trazia na mão esquerda e trêmula, e seu andar  muito lento e inseguro. Na mão direita, uma bengala servia de apoio. Tive medo que ele caísse. Pensei largar a bicicleta e ajudá-lo, mas ao invés disso, continuei segurando o portão e abri passagem pra ele. Ele agradeceu, parou ao meu lado e disse:
_ Feliz Páscoa!...(pensou um pouco...) 30 anos?
_ Ah, senhor...quem me deeeera!- respondi sorrindo.
_ Quantos então? (depois de uns segundos tentando arriscar outro palpite)
_ 53! (eu, entre agradecida, orgulhosa ou não, sei lá...)
_ Hum... e eu? - perguntou ele.
_ Ehh...... 70?
_ Quem me deeeeeera!! 98!!! 98 anos!!!
_ Mas que beleza !!!! (eu disse sinceramente e fiz cara de quem não acreditava MESMO)
_ Fui criado numa fazenda em São Paulo, bebi muito leite de vaca...
_ E teve com certeza uma infância muito feliz... O senhor está ótimo (apesar do tremor e do andar bem claudicante, o rosto não mostrava 98 anos de rugas!!!)!! Quer ajuda?
_ Não, obrigado. Mais uma vez, Feliz Páscoa!
_ O mesmo para o senhor, felicidades!
                        E me dirigi à entrada de serviço, enquanto ele subia os degraus da portaria e eu me perguntava se ele ia conseguir, será que o porteiro vai ajudar? Subi a rampa preocupada mas quando passei pelo elevador ele já havia adentrado com suas flores e eu fiquei imaginando para quem seriam. Bonitinho.
                     Debaixo do chuveiro fiquei pensando em como as coisas são relativas. Quem me dera os 30, quem dera à ele os 70! Cada qual sonhando com o que já passou e querendo ter de volta o que já viveu. Cada qual com o seu cada um. Queria ter subido com ele e oferecido um café, um licor. Ali tinha muita história, histórias que aposto ele gostaria de me contar. Histórias que eu queria ouvir. Ultimamente, alguns velhos têm me dito mais do que pensam dizer.
                     Quem me dera!...

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